O novo governo de São Paulo, capitaneado por João Doria, anunciou em janeiro um contingenciamento médio de 3,54% do orçamento do estado para 2019. É uma medida responsável, pois, como explicou o governo, há receitas incertas que poderiam levar a um déficit fiscal. O que, contudo, não encaixa na história, é que o percentual de corte na Cultura tenha sido fixado no inacreditável índice de 23%, sendo a pasta uma das menores do secretariado.
O corte de 23% corresponde a R$ 148 milhões, o que levará o orçamento final da Cultura para cerca de R$ 500 milhões – ante os R$ 650 milhões previstos na lei orçamentária. Evidentemente um corte nessas proporções levará a um forte encolhimento no serviço prestado: projeções realizadas pela Abraosc, a Associação Brasileira das Organizações Sociais de Cultura, apontam que a medida afetará diretamente um público de mais de 3 milhões de pessoas e que dezenas de milhares de alunos deixarão de participar de atividades educativas e de formação nas áreas das artes, da dança e da música. O corte levará ao fechamento de museus e teatros, ao cancelamento de exposições e espetáculos e a demissões em massa.
A equipe responsável pela decisão, formada pelo secretário da Fazenda Henrique Meirelles, o governador João Doria, o vice Rodrigo Garcia e pelo secretário da Cultura Sérgio Sá Leitão, deve ainda explicar, como a economia de R$ 150 milhões em um orçamento de R$ 230 bilhões resolverá o equilíbrio financeiro do estado. Não é preciso ser doutor em economia – nem ex-presidente do Banco de Boston ou ex-empresário de sucesso – para perceber que esse valor é desprezível para o equilíbrio do orçamento do estado.
A medida tecnocrática também se esquece do impacto que a Cultura exerce sobre a atividade econômica – estudos apontam que cada R$ 1 investido em cultura gera R$ 3 no mercado. No caso, o corte de R$ 150 milhões subtrairá do ecossistema econômico R$ 450 milhões, que assim deixam de servir como impulsionadores de novas receitas. Ou seja, a decisão do corte não só não resolve nada, como ajuda a piorar.
Sob todos os pontos de vista, o contingenciamento das verbas para a Cultura nessa ordem de grandeza é absolutamente equivocado.
Além de equivocado, o contingenciamento representa um desastre para a Cultura do estado de São Paulo. Ao cortar os recursos das Organizações Sociais (OSs) que fazem a gestão dos equipamentos culturais, o governo desmonta a estrutura de gestão cultural mais organizada do país, que levou décadas para ser erigida. Se o governador e sua equipe de especialistas analisassem a questão com cuidado, perceberiam que é no modelo das OSs que se encontra a eficiência e a eficácia que eles almejam. Pois este modelo de parceria público privada, com profissionais especializados, logrou alcançar a melhor relação custo-benefício jamais imaginada na área da cultura, possibilitando uma inédita oferta dos bens culturais e a construção de instituições de nível internacional.
Indo além, o corte implicará na quebra dos contratos firmados com as OSs, contratos esses que obrigam o governo a financiar os equipamentos. Ora, que gestão responsável é essa que habituou-se a, regularmente, “aditar” contratos de forma unilateral, diminuindo os repasses pactuados? Como as OSs podem trabalhar e se organizar se a cada ano são surpreendidas por novos e desproporcionais cortes? O contingenciamento de 23% das verbas da Cultura fragilizará toda a estrutura de gestão por OSs.
O governo de São Paulo acertou ao suspender o contingenciamento do Projeto Guri, reconhecendo o estrago que a medida teria causado. Agora, seria altamente desejável que o governo reestudasse a questão do corte de 23% e pesasse bem os prejuízos de uma decisão tecnicamente equivocada que, além de inócua, compromete o interesse público e implode toda uma organizada e competente estrutura de gestão.
[Texto editado às 7h00 de 9/04/2019 para correção do valor do orçamento do estado.]